Novo estudo da UFMG

Entender e controlar o processo de multiplicação de células em tecidos humanos pode ser a chave para vencer doenças como o câncer ou para recuperar órgãos e cicatrizar feridas. Estudo da UFMG publicado na última edição da revista Hepatology, órgão da Associação Americana para Estudos sobre Doenças Hepáticas, esclarece o mecanismo pelo qual a insulina, peptídeo produzido no pâncreas, regula a proliferação celular.

“Mostramos como uma subpopulação dos receptores de insulina se transloca da membrana plasmática para o interior da célula e ao chegar ao núcleo ativa a maquinaria de cálcio intranuclear que regula a taxa de multiplicação celular”, explica a professora Maria de Fátima Leite, do Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biológicas (ICB). A novidade está documentada em imagens em movimento. Segundo o professor Gustavo Menezes, outro autor da pesquisa, o assunto era alvo de debate antigo, com especulações sobre o modo pelo qual a insulina afeta a multiplicação das células.

“Além de revelar o mecanismo, pela primeira vez foi possível mostrar o processo enquanto ele ocorre”, explica, lembrando que a descoberta surgiu em estudo que aborda a regeneração hepática, processo parcialmente conhecido pela ciência. O fígado, aliás, é o tema central de diversas pesquisas desse grupo de professores da UFMG, com colaboração internacional. Órgão vital cuja função é desintoxicar o organismo, tem a capacidade de se recuperar após alguma injúria – química, medicamentosa, mecânica ou traumática – e retomar seu tamanho original, em processo de crescimento ordenado e regular.

Como explica Menezes, trata-se de um órgão grande – em torno de 1,5kg em um adulto de 70kg – que ao perder dois terços pode voltar ao tamanho normal em poucas semanas, devido à rápida proliferação celular. Essa regeneração está condicionada a estímulos que vêm de hormônios ou de fatores de crescimento. “Já se sabia que a insulina é um fator de crescimento, mas não se conhecia o mecanismo pelo qual este hormônio regula a proliferação de células hepáticas”, reitera Fátima Leite, ressaltando a importância de estudos que focalizem a fisiologia e não apenas as doenças.

Insulina e cálcio

Para Maria de Fátima Leite, a insulina ocupa lugar privilegiado entre as mais importantes descobertas científicas contemporâneas. Ela foi, por exemplo, o primeiro hormônio de fonte animal usado para tratamento em humanos, e o primeiro produzido na forma de proteína recombinante. “Apesar de extensivamente estudada, desde a sua descoberta em 1921, ainda há muito a se descobrir sobre a insulina”, assegura. Seu mecanismo de ação mais conhecido é um dos chamados efeitos imediatos – a regulação do metabolismo de carboidratos, lipídios e proteínas. Além deles, existem os efeitos tardios regulando o crescimento das células. “Em nosso estudo, verificamos que a insulina pode ativar o cálcio do núcleo e estimular proliferação de células, sem que isso interfira no efeito da insulina sobre o metabolismo”, explica a professora. A pesquisa mostra que isso ocorre porque a insulina parece ativar ‘subpopulações de receptor’ – enquanto uma regula o metabolismo, outra se transloca para o núcleo da célula e atua sobre o cálcio intracelular ativando proliferação celular. “Desvendamos um mecanismo que é específico para multiplicação celular e que não está envolvido no metabolismo. É a primeira vez que se chega a ele, o que vai ter grande relevância, já que a insulina é amplamente estudada e aplicada em tratamentos de doenças”, prevê a pesquisadora.

Processo fisiológico de fundamental importância para a manutenção da vida, a regeneração está presente também em enfermidades como o câncer, situação em que as células tumorais proliferam muito. Ao lembrar que as doenças virais têm matado proporcionalmente menos, enquanto crescem outras como intoxicação por drogas e fígado gorduroso, Gustavo Menezes diz que ao se conhecer como a insulina leva à regeneração do fígado, será possível ajudar pacientes com lesão hepática, estimulando vias nas quais esse peptídeo normalmente atua. “Já em um paciente com câncer, que tem multiplicação celular muito alta, pode-se inibir esse processo”, exemplifica. A intervenção poderia ser por meio de medicamentos e, eventualmente, por modificação de expressão gênica. “Daí a necessidade de se conhecer quais as vias que atuam no processo”, esclarece Fátima Leite.

Gel nanotecnológico

Uma das pesquisas que derivam desse trabalho é a produção de gel, para uso tópico, que usa nanotecnologia para estimular a rápida regeneração de tecidos e, assim, promover a cicatrização de feridas. Realizado em parceria com o professor Rodrigo Resende, do Departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB, o estudo é subsidiado pelo edital Capes/SUS, e tem como principal alvo pacientes diabéticos. A intenção é produzir medicamento que deve chegar à população a preço baixo. O gel, com estruturas de nanocarbono, está sendo desenvolvido em parceria com o Departamento de Física. “Mostramos como a insulina estimula a proliferação celular, atividade fundamental na cicatrização”, comenta a pesquisadora.

Trabalho para as editoras

Essa é a segunda vez que estudo desenvolvido por Fátima Leite altera os livros de fisiologia. Há alguns anos, ela descobriu uma organela no núcleo das células que armazena e libera cálcio para o nucleoplasma. “Novamente estamos estudando um exemplo de fisiologia clássica – uma informação nova, que vai para os livros e que vou lecionar aos meus alunos”, comenta a pesquisadora, que este ano termina seu período como Howard Hughes Medical Institute Fellow, bolsa de pesquisa conquistada por seus estudos com o íon cálcio na regeneração hepática. No Laboratório de Sinalização de Cálcio (Calcium Lab), na UFMG, seu grupo de pesquisa tem como foco entender como o cálcio regula as diversas funções celulares.

Assim como Gustavo Menezes, que lidera na UFMG grupo de pesquisa em Imunobiofotônica, Fátima Leite também atua em outra frente: conhecer o funcionamento do fígado. Esse é o mote que deu origem ao grupo que mantém em colaboração com os professores Mauro Teixeira (Imunofarmacologia) e Rodrigo Resende, ambos do Departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB, além de pesquisadores das faculdades de Medicina e de Farmácia, e da Universidade de Yale. Com publicações conjuntas em periódicos de alto impacto internacional e co-orientação de alunos, o grupo estuda os mais variados aspectos relacionados a esse órgão. “Nosso sonho é criar uma rede forte de entendimento de como o fígado funciona, pois muita gente morre de doença hepática ou tem baixa qualidade de vida em função de problemas no fígado”, pondera Fátima Leite.

“O que nos reúne não é publicar mais, pois cada um é muito produtivo em sua respectiva área, mas entender melhor o tema em foco. Com isso, cada um contribui com sua formação, o quem tem culminado em publicações com maior qualidade”, destaca Gustavo Menezes. Ele observa que nos últimos três anos o grupo publicou três trabalhos na Hepatology, maior revista do mundo na área, padrão só conquistado por equipes de renome internacional. A visibilidade conquistada tem rendido convites para palestras em grandes eventos fora do Brasil e trazido à UFMG alunos de pós-graduação de países como Bélgica e Suécia. O Calcium Lab vai receber nos próximos meses pesquisador sueco que vem desenvolver pos-doc na linha de biologia hepática. O mesmo tema traz, ainda este mês, ao laboratório de Imunobiofotônica, estudante da Universidade Livre de Bruxelas (Bélgica), que vem realizar parte de seu doutorado sanduíche na UFMG.

Artigo: Novos aspectos da insulina e seu papel na regeneração hepática Publicado na edição de julho da revista Hepatology, o estudo tem financiamento das seguintes instituições: Howard Hughes Medical Institute (HHMI), Capes/SUS, Fapemig-Pronex e CNPq. Autores: Maria de Fátima Leite e André Oliveira (Pos-Doutorando Capes/SUS), ambos do Departamento de Fisiologia e Biofísica/UFMG, Michael H. Nathanson (Yale University), Gustavo Menezes (Morfologia/UFMG), Rodrigo Resende (Bioquímica e Imunologia/UFMG), Erika Guimarães (doutoranda CNPq do Programa de Medicina Molecular/UFMG), com colaboração de Ana Maria de Paula (Física/UFMG).

Redação Vida Equilíbrio

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